Resolvi publicizar um texto quase grande que escrevi para a UFSJ sobre minha estadia lá na
tierra del sombrero. Notem que ele é mais direcionado às pessoas que vão tentar ir para lá também e transita entre o humor e o amor, o irônico e o platônico, o pessoal e o impessoal.
Pode ser útil. Quiçá divertido:
Lá e de volta outra vez: breve relato de um intercâmbio
E nós sabemos que a vida, major, não merece bocejos. É rica demais, séria demais, interessante demais e principalmente curta demais para que fiquemos diante dela nessa atitude de fastio. Em suma, estou cansado desse mundo lógico, anseio por voltar, nem que seja por poucos dias, a um mundo mágico. Sinto saudade da desordem latino-americana, das imagens, sons e cheiros de nosso mundinho em que o relógio é apenas um elemento decorativo e o tempo, assunto de poesia. Dêem-me o México, o mágico México, o absurdo México!
Érico Veríssimo
(In: México)
Viemos de São João del-Rei.
Não viemos de São João del-Rei.
Viemos de cidades distintas, de cursos diversos, de vidas que pela idiossincrasia natural do ser, humano inclusive, não poderiam ser outra coisa que não plural.
A palavra chave de um intercâmbio é dúvida. Há sinônimos como medo, vacilação, preguiça, frio na barriga, perna bamba. Não se sabe se se sabe o espanhol bem ou se tem currículo suficiente para passar. Pra passar não se sabe, mas pra sonhar, nesse caso específico, basta cumprir um par de requisitos que não são tão difíceis e estão disponíveis no site da UFSJ e na boa vontade da sempre disposta Assessoria de Assuntos Internacionais.
O grande obstáculo do antes é a burocracia, e ela vai te acompanhar até o seu regresso, como uma pulga não só atrás da orelha, mas de todos os espaços incômodos possíveis. Tenha paciência, leia, peça ajuda, persista. Valerá a pena, valerá a pulga, por mais que às vezes pareça que não.
Cada passo da seleção para o intercambio, da chegada ao país, das viagens, dos estudos, das experiências, dos problemas e situações vividas valeria o espaço de textos mais longos que nossos olhos esperam ao ler um relatório, então vou me ater aos pontos mais gerais e específicos (?), mas certo de que, se o leitor for um aspirante ao desconhecido, vai seguir a dica mais válida que posso dar com toda a experiência que tive: não tenha medo de perguntar, corra atrás e não vai faltar gente pra te ajudar: ex intercambistas, assessores internacionais, sociedades de alunos, transeuntes nas ruas, amigos e tantos outros as vezes não tão amigos assim.
Não vou me ater às burrocracias tão necessárias à manutenção da ordem e à seleção de privilegiados ou sortudos. Leia tudo. No começo é a prova e quanto melhor o seu currículo, comunicabilidade e espanhol, melhor. Recomendo uma vida acadêmica saudável e interesse pelo idioma e pela cultura em questão: leia livros, veja filmes, procure no Google e na Wikipédia, pergunte a pessoas, pesquise e se interesse, faça aulas de língua se necessário. Conheça o máximo possível sobre o lugar para onde você vai e se pergunte por quê você vai. Fará diferença.
Passando na prova você terá que provar que não tem dinheiro pra se bancar lá, de acordo com os critérios da universidade. Não adiantar chorar, tem que provar com documentos, de acordo com os critérios do órgão responsável (PROEX).
A lei, ora, a lei.
Depois disso é a saga para conseguir passaporte em cidades como Juiz de Fora, Divinópolis, BH etc., e o Visto no Rio de Janeiro. Mais uma vez, leia tudo muito bem lido, pergunte, se informe, não se esqueça de nada.
Todo mundo acha lindo que você está indo para outro país estudar, curte no facebook, te dá os parabéns e você também acha muito legal, mas o frio na barriga permanece, o desconhecido continua aberto à frente e você não tem idéia do que te espera em muitos sentidos. A turbulência quando o avião sobe e o formigueiro fosforescente que vai se transformando São Paulo é uma boa imagem para explicar todo esse processo. Não beba demais nos aviões e se prepare para a pressão, especialmente se for fazer escala em países altos como o Chile, por exemplo. O aeroporto é outra burocracia e pode acontecer muita coisa. Converse, leia, pergunte, se informe.
Antes de ir reserve um hostel para ficar e entre em contato com o pessoal do DIPI (ASIN da UDEM) e do I-link (uma espécie de DCE para ajudar intercambistas) para ajudar a conseguir alugar uma casa e se localizar lá.
O pessoal da Universidad de Monterrey sabe a importância para uma Universidade ter projeção internacional e que isso passa, necessariamente, pelo programa de intercambio com outras instituições. Então pode esperar profissionalismo e amizade das pessoas que trabalham nesse grupo. Eles querem te ajudar e levam muito a sério isso.
A Universidade é linda, de ficar impressionado quando se conhece suas instalações modernas e com um ambiente humano e humanista, na maioria das vezes. A estrutura impressiona. Mas tenha em mente que essa é uma instituição privada, e das mais caras do país. O nível financeiro das pessoas que estudam lá é de alto pra cima, com os muitos problemas sociais que isso pode causar. Não quero aqui estimular preconceitos, mas advertir que há gente que, como eu, pode se sentir um pouco outsider ao caminhar entre ferraris e lamburguinis no estacionamento, e a gente com roupas impecáveis para o padrão da alta sociedade de consumo e com tudo que vem junto disso. E todo mundo te olhando e analisando (ah! O olhar!).
Diversas exceções, claro. Mas o ambiente geral é esse, acrescido de pelo menos mais uns oitenta intercambistas do mundo todo que chegará junto com você, sendo que a maioria deles NÃO fala espanhol e muitos menos português. Em geral o inglês vai te ajudar tanto quanto o espanhol, até porque se fala MUITO inglês em Monterrey.
Paciência, empatia e boa vontade são características muito necessárias e pertinentes nesses estágios iniciais e em todo o período de viagem. A recepção que eles preparam é bem bacana, com etapas de socialização, informação técnica, exercícios físicos e tudo mais. Vá com roupas leves no primeiro dia e se prepare para um calor absurdo e um clima muito seco em agosto. E nada de tirar a camisa na rua, meninos. Em dois meses começa e ficar mais ameno o clima e no final do ano fica muito frio e úmido. Sim, é o caos.
Monterrey é uma cidade fronteira com os EUA e isso diz muito de sua cultura em seus pontos mais importantes. É uma cidade empresarial, industrial, riquíssima, e com uma situação de violência terrível devido a estar na rota do narcotráfico que vai de países produtores de droga como a Colômbia até o maior consumidor de narcóticos e vendedor de armas do mundo, atualmente presidido por um negro que chamam democrata chamado B. Obama. Entender a questão da violência no México é muito importante para ir para este país. É bom se informar o máximo possível antes e durante sua estada lá. Cuidado com a paranoia sensacionalista midiática, mas a barbárie noticiada por eles NÃO é mentira. É necessário um cuidado grandíssimo em muitos sentidos em relação à violência e todo cautela é pouca. Felizmente não passou nada comigo mas cansei de ouvir coisas tristíssimas e assustadoras.
A “grande Monterrey” é dividida em vários municípios e rodeada por montanhas dignas de um fundo de tela do Windows. A UDEM se localiza no município de San Pedro Garza García e é aconselhável que você busque sua casa aí, que é a cidade mais “segura” da região, e isso não quer dizer muito segura. Procure bem, não confie nas pessoas em geral, pesquise e pesquise, busque ajuda com seu I-buddy (aluno que te ajudará durante sua estadia no país). Eu consegui dividir uma casa por mais ou menos 250 reais mensais, com mais 3 pessoas. Um preço razoável seria de 2000 a 3500 pesos, dependendo da sua disponibilidade financeira. Na nossa estadia o cambio era, em média, de sete pesos para um real. É possível, em teoria, permanecer essa temporada só com a bolsa, mas tente levar algum dinheiro guardado, vá ao seu Banco e se informe sobre todas as tarifas e cartões internacionais (eu continuei com o meu de estudante, do BB, e fazia mais ou menos 2 ou 3 saques por mês, com uma tarifa não muito barata, e podia usar cartão de débito sem taxa – não recomendo o uso de crédito pelas taxas - ). Cuidado pra não perder o cartão. Tem dois caixas na universidade, do BANAMEX e Santander, onde se pode usar qualquer cartão internacional sem problemas. Recomendo também não comer na universidade, que é caro e a comida não é boa (tem lojas de shopping como Starbucks, Subway etc.)
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Coma todas as comidas típicas possíveis, beba todas as bebidas, ouça as músicas, conheça a cultura e a história do México, que é incrível em tantos sentidos que não vou me atrever a descrever aqui, mas estou a disposição inclusive pra compartilhar alguns dos muitos textos que eu escrevi sobre o país. Não recomendo comer demais fora em restaurantes e afins que são muitos caros (para o diàdia), há lugares mais simples e com a comida muito boa e mais barata, converse com as pessoas, pesquise. Especialmente as da cidade, fora da universidade. Como foi dito, o nível financeiro geral em San Pedro e na UDEM é exagerado. E eu não estou exagerando. Faça comida em casa, vá ao supermercado regularmente, há muita coisa que estamos acostumados lá, e dá pra economizar bastante assim, mas pode esquecer do pão de queijo, da mandioca, do maracujá e da cachaça. E o café geralmente é terrível e caro. Recomendo os espressos.
As aulas na universidade são difíceis, o espanhol, ao menos no meu curso, é pesado e o nível de leituras beira o absurdo, algumas vezes pedem pra você ler um livro de uma semana para outra, escrever um texto de no mínimo oito páginas, ler oito contos, textos teóricos longos muitas vezes em inglês etc. Tem tarefa de praticamente todas as aulas praticamente todos os dias, você pode faltar somente o dobro de aulas que há em uma semana e os professores geralmente são muito rígidos em todos os sentidos. E há 4 “semanas de provas” durante o semestre. Ou seja, não faça como eu e pegue cinco ou seis matérias a não ser que esteja BASTANTE disposto a estudar e a passar algumas noites em claro, talvez. Acho uma bobagem também fazer como alguns de fora que eu vi pegando duas matérias bobas no meio da semana pra poder ficar viajando. As experiências acadêmicas e culturais fazem parte do todo, e a universidade ainda tem uma boa estrutura esportiva, musical, artística e de aulas como dança, por exemplo. Pense sobre o seu limite e pergunte sobre as disciplinas para alunos do curso.
Estudar é preciso, viajar é mais preciso ainda. O México é um país absurdamente bonito em muitos sentidos: zonas arqueológicas, paraísos naturais, artesanatos diversos e encantadores, cidades coloniais fantásticas, praias paradisíacas. Ou seja, encontre tempo, dinheiro e busque destinos. Recomendo viajar com o pessoal do “El Viajero”, que, apesar de não serem tão baratos, são extremamente amigos, profissionais, bem informados, e tem destinos de viagens excelentes, inesquecíveis qualquer um deles, com certeza. Conheça manifestações como o dia da independência, o dia dos mortos, as posadas de fim de ano e tantas outras interessantíssimas. Eu viajei bastante, inclusive participei de um congresso internacional em Guanajuato, que talvez é a cidade que eu mais gostei e até lembra um pouco São João: uma cidade cheia de arte, cultura, boemia, uma arquitetura colonial maravilhosa, teatros, museus cafés e tudo mais, e ainda perto de pueblos lindos como San Miguel de Allende e Dolores Hidalgo. Recomendo também uma viagem ao estado de Michoacan no dia de los muertos, que talvez foi uma das experiências humanas mais fortes e bonitas que eu tive na minha vida. Não deixem de ir também na Cidade do México, com quanto mais tempo melhor. Sempre haverá o que fazer. E recomendo também ir ao sul, eu fui a Oaxaca e senti que o México de verdade está lá em baixo. Monterrey infelizmente foi tomada pelo dinheiro, pela violência, pelo tecnicismo, pelos EUA, apesar de haver muitos que lutam contra isso.
Esteja aberto para essas experiências.
Não importa o caminho, caminhante, fazemos o caminho ao andar.
Ah, cuidado com Matacanes. Se informe antes de ir.
Finalmente e nem um pouco menos importante, reforço a importância de estar atento, cauteloso, mas aberto aos lugares, às pessoas, às diferenças, aos erros, aos choques. Você vai passar por problemas complicados (como na primeira vez que saímos e não nos deixaram entrar na “boate” porque não estávamos com roupa “adequada”) e por situações belíssimas e emocionantes, como uma conversa com um desconhecido na rua, ou um dia que eu estava correndo em um campo perto de casa e vendo as montanhas e de repente apareceram centenas de borboletas passando por todos os lados. E umas coisas meio loucas que não é de bom tom escrever aqui.
Fiz amigos para a vida toda, do México e de outros países, vivi coisas para escrever em um livro ou em poemas, não num relatório, ou mais ainda, para inscrever e deixar gravado na obra mais bonita que é a memória, a alma e o coração. Os lugares visitados, a cultura, as experiências, estudos e especialmente as pessoas que conheci valeram e sempre vão valer muito mais que qualquer aborrecimento, burocracia, medo, lágrima ou dinheiro.
Cada pessoa que tiver a oportunidade de ir vai ver e viver um mundo de coisas, como foi com cada um de nós que fomos agora. Vai ver mundos se abrirem à sua frente, de oportunidades e vivências. De diferença. De beleza e dor. De liberdade. E algumas dessas coisas só se reconhece quando se tem a coragem de ir um pouco mais longe, e é isso que esse tipo de experiência proporciona.
Nada que eu possa (d) escrever aqui. Nem que eu escrevesse com lágrimas, sangue e saudade.
Muita coisa passou, e mais ainda ficou, lá e aqui.
Choramos, fizemos festa, abraçamos e beijamos, malas e avião.
Voltamos para São João del-Rei.
Não voltamos para São João del-Rei.
Fotos:
Ocaso na saída da Pirâmide do Sol, Dia de los Muertos en Michoacan e Sierra Gorda